Estou inspecionando os utensílios de um natal da cultura ocidental. Primeiro caem as luzes da china nas minhas mãos. Elas dormem onze meses do ano na caixa "x-mas", que se encontra no sótão. Quem será que as montou? Uns dos milhares de trabalhadores que trabalham 60 horas por semana ou mais? Tudo por um pouquinho de arroz? Não sei. Lá, estou vendo as bolinhas da árvore de natal, algumas estrelinhas que os filhos fabricaram anos atrás com os dedinhos pequeninos, um anjo com uma asa quebrada, algumas velas e o presépio.
No presépio há um casal, uma criança, anjos, pastores, ovelhas, um burro e uma vaca. A vaca é marrom, mas ela me lembra uma vaca branca com manchas marrons, que vi no último inverno.
Visitei uma fazenda no interior de Santa Maria não-sei-do-que. Lá estavam centenas de vacas no pasto, a maioria branca, algumas marrons e poucas brancas com marrom. Não sei se eram de raça, mas elas estavam pastando. Uma estava na cocheira e me olhou com seus olhos grandes, calmos e muito profundos.
O capataz me contou que ela dará cria daqui a pouco tempo, e não pode ir para o pasto. Ela já tinha dado muitas crias, a última foi problemática, e agora eles querem observar o animal. Na orelha dela vi uma plaquinha: "2804". Minhas mãos acariciaram a cabeça dela e em seguida ela lambeu meu braço. Sabem como a língua de uma vaca é áspera? Quase doeu. E aqueles olhos! Ela me olhou de uma maneira que nunca vou esquecer! Ela queria me pedir alguma coisa, mas o quê? E de novo aquela língua. O que será que ela queria? Ela tinha alfafa, milho, água e a cocheira estava limpa.
Quando fui visitá-la, há uma semana, ela não estava mais na fazenda. O capataz primeiro nem se lembrou, pois eles possuem centenas de vacas, mas depois que ele deu uma olhada no livro, ele contou que ela dera cria, um terneiro macho.
Nove crias ela deu, cada ano uma. Três delas não sobreviveram, mas isso era normal se os terneiros não ficassem com a vaca, disse ele. Por que não ficam com a vaca? Pergunta boba! Para que ela entre logo no cio novamente e produza mais. A fazenda vive disso. - Ela vive dos berros fortes das vacas e dos berros fininhos dos terneiros.
Me lembrou de uma história da Argentina. Alguns vaqueiros atravessaram um lago com um lote de gado numa balsa. As vacas estavam amarradas na balsa com correntes pelos chifres, para não cairem. Mas um terneiro caiu na água e se afastou logo da balsa. Os vaqueiros não conseguiram salvar o bichinho. A perda econômica foi pequena. A mãe vaca berrou desesperadamente e tentou se livrar da corrente. Ela quis salvar o seu filho. Mas a corrente ficou firme. A vaca não desistiu e lutou com forças sobrebovinas. No momento em que ela desapareceu na água, ficaram na balsa a corrente e o chifre dela. Amor materno bovino!
A vaca 2804 então não estava mais na fazenda. Todos os seus filhos desapareceram tão logo nasceram. Posso imaginar como ela berrou! O capataz contou que foi sorte ter vendido a vaca, mesmo tão velha. Foi para a capital do estado, 600 km da fazenda.
Pensei nos transportes dos animais, horas a fio no sol, sem água e na chuva, o vento frio, será que ela não sofreu na viagem? E nas curvas – o chifre da vizinha não se cravou nos lados dela? Um buraco na estrada, será que ela caiu? As outras talvez pudessem ter caído em cima dela? Quantos animais sofrem e morrem nas viagens?
Chegando ao frigorífico pode ser que tenha ganho água, ou talvez não. Os métodos na maioria dos frigoríficos são arcaicos. Nem sempre a marreta garante uma morte inconsciente. Ouvi de um funcionário de um frigorífico, que às vezes os animais ficam dez minutos conscientes, sentindo tudo o que acontece, tirarem suas patas, abrirem sua barriga, tirarem seu chifre, não sei o que mais. E a nossa 2804? Ninguém no frigorífico tomou nota das plaquinhas. Branco com marrom? Ih! Muitas! Amigo, amiga, se você encontrar no seu espeto, no seu prato um pedaço da 2804, diga a ela, não ao pedaço, ... deixe pra lá!
Nenhum comentário:
Postar um comentário